Get Mystery Box with random crypto!

O #ogro - 36o. capítulo de meu livro Brasileiros Pocotó. O liv | Café Brasil

O #ogro - 36o. capítulo de meu livro Brasileiros Pocotó. O livro é de 2004, mas esse texto é de 2002.

Ando de saco cheio.
Isso acontece sempre que tem ano de eleição e somos bombardeados por um blablablá que seria cômico, não fosse trágico. No ano de 2002, vivi situa-ções ímpares que me deram muito bem a dimensão do que é viver no Brasil. Veja só:
Numa viagem ao Rio Grande do Sul, estive em Canoas, na Ulbra (Universi-dade Luterana do Brasil), visitando o Museu da Tecnologia. O adjetivo ESPE-TACULAR dá uma pequena idéia do que vi lá. Coisa de primeiro mundo. Come-çando pelo campus da Universidade, pelo volume de estudantes, pela quali-dade do restaurante... Coisa de primeiro mundo. Voltei para São Paulo e, no mesmo dia, fui almoçar com um conhecido no Ecco, na rua Amauri. Cheguei por volta do meio dia de uma sexta. Restaurantes lotados, uma Ferrari estacio-nada na frente de um deles, e gente entrando e saindo como um formigueiro. Me senti no primeiro mundo.
Na outra semana, voltando ao Rio Grande do Sul, visito o Museu da PUC. FABULOSO! Uma maravilha! Totalmente interativo, material de primeiro mun-do, deixando quase nada a desejar em relação a outros museus que visitei nos Estados Unidos e Europa. Pouco depois, coordenei a participação da empresa onde eu trabalhava, a Dana, no Agrishow, em Ribeirão Preto. É considerado hoje o terceiro mais importante evento do agribusiness mundial. Uma lou-cura, com gente do mundo todo, helicópteros, aviões subindo e descendo fre-neticamente e negócios de milhões de dólares sendo fechados. Aí, viajo na Pás-coa para o Rio de Janeiro, Barra da Tijuca. Eu não ia lá desde 1976. Penso estar em Miami. Shoppings para todo lado, movimento frenético, noites ani-madas, restaurantes às dezenas... primeiro mundo.
Aí, visito a Feicon, em São Paulo, a feira de material de construção no Anhembi. Não consigo ver nem um quarto daquilo. Gigantesco. Milhares de pessoas, centenas de empresas, movimento febril, lançamentos de produtos, uma hora para conseguir estacionar o carro...
Dias antes, fiz uma palestra no Almenatti, centro de eventos no Embu, em São Paulo. Maravilhosa estrutura, com hospedagem, alimentação e salas para treinamento, área de lazer, excelente. Coisa de primeiro mundo.
Encontro amigos que retornam do evento de lançamento de um novo au-tomóvel, na Costa do Sauípe, no complexo de hotéis na Bahia. Adjetivos? De inacreditável para cima.
Primeiro mundo!
Vou para o Rio de Janeiro, na largada do Volvo Ocean Race. A Fórmula 1 da vela. Hotéis lotados, janto no Copacabana Palace... cheio de hóspedes.
Ufa! Nada como viver no primeiro mundo!
Mas toda noite, ao voltar para casa, ligo a tevê, leio a revista ou o jornal, e sou jogado de volta ao terceiro mundo, que é o lugar do Brasil. Só porcaria. Uma revista com a capa sebastiãosalgadiana em preto e branco com duas crian-ças sob o título garrafal: MISÉRIA. E depois a matéria tratando de bolsões de pobreza, dizendo que estão localizados principalmente no Nordeste. Nos noti-ciários, o MST refestelado na fazenda de FHC e depois vociferando contra a injustiça do sistema e prometendo mais invasões.
Aí, entra no ar o programa eleitoral do PT, que ainda estava na oposição. Impecável do ponto de vista técnico, mas se estivesse falando da Somália seria perfeito. Só o lado miserável. Depois, a gota d’água. A capa de outra revista, com a grande revelação do ano, o Kleber Bam-Bam, vencedor da primeira edi-ção do Big Brother Brasil da Rede Globo. O título? UM BRASILEIRO. E, para piorar, o outdoor da revista: ELE ERA A IMAGEM DOS BRASILEIROS. AGORA É O SONHO.
Eu fiquei indignado!
Primeiro porque se aquele ogro é a minha imagem, vou mudar de naciona-lidade.
Segundo: tive um banho de Brasil de primeiro mundo naquelas semanas, SEM IR ATRÁS. Eu não procurei por aqueles lugares maravilhosos. Estava a traba-lho e trombei com pessoas, organizações e processos que são de primeiro mundo e que trazem uma riqueza que é de se orgulhar. Mas não vi ninguém falando deles.
23 milhões de miseráveis dão manchete? E os 180 milhões de não-miseráveis, dão o quê? Trezentos sem-terra fa